Hoje, e até o fim da semana, contarei algumas histórias que exemplificam meu nível de "lesão mental":
- Salto de para-quedas: em 1994 eu estava com 20 anos e fui no casamento de um primo no Rio. Espetáculo de casamento, uma capelinha no alto de um morro com uma praia de cada lado e o sol se pondo no fundo (foto acima). Foi a primeira vez que pensei: "se um dia eu cometer essa insanidade, até que assim seria legal". Encontrei lá outro primo meu que morava em Juiz de Fora, minha terra natal, e ele comentou comigo que estavam dando curso de paraquedismo (essa reforma ortográfica...) no aeroclube da cidade, e estava num preço bom. Ele disse que se eu animasse ele fazia comigo. Animasse? Nem esperei ele completar a frase, só perguntei quando ia ser. Falei com minha mãe e ela, óbvio, proibiu terminantemente.
Em dois meses eu faria 21 anos, e pedi pra minha mãe me dar uma grana ao invés de presente. Ela caiu que nem um patinho, e duas semanas antes do meu aniversário bati na porta do meu primo em Juiz de Fora. Precisa ver a cara de espanto e a história que ele inventou pra dizer que "dessa vez não dava pra ele fazer o curso". Eu não podia esperar ele criar coragem (até hoje ele não fez) e no sábado de manhã estávamos no aeroclube pra mais uma aventura minha. Paguei o curso, recebi as primeiras instruções e começamos as aulas teóricas. Eram aulas o sábado inteiro e domingo de manhã e à tarde o salto, sozinho, não era salto duplo não. Empolgação geral na primeira parte das aulas, fomos almoçar e na hora de começar a segunda parte, problema. Como eu era menor de 21 anos, tinha que ter autorização dos pais pra fazer o salto.
Como assim, se meus pais nem sabiam? Liguei pra minha mãe. Contei a história com a cara lavada, disse que já tinha pago o curso e não tinha como ressarcir. Ela nem quis saber, aí liguei pro meu pai. Nesse meio tempo descobri que um dos instrutores foi colega de faculdade do meu pai. Ê mundo pequeno, heim? O cara conversou com meus pais uma meia hora, falou da segurança do equipamento, e no fim das contas eu disse a eles que se não deixassem eu voltava dali a duas semanas e fazia o salto. Tudo bem, mandaram a autorização por fax.
Fiz o curso no sábado, fiz no domingo de manhã e fiquei ansioso para o salto à tarde. Chegou minha hora, éramos três alunos, sortearam que ia primeiro e, claro, saiu meu nome. Detalhe, para colocar o para-quedas em mim, o instrutor teve que subir em um banquinho. Ah, e tudo foi filmado pelo meu primo.
Entrei no avião, um teco-teco feito de lona e com roda de walk machine (só quem é dos anos 90 sabe do que falo), e descobri que o piloto do dito cujo era o mais velho do Brasil em atividade, daqueles que deu consultoria pro Santos Dumont. O avião sai sem a porta lateral e sem os bancos, eu e o instrutor fomos sentados no chão. Saindo da pista de pouso (depois do piloto rodar umas 15 manivelas), ele fez uma curva justamente pro lado do buraco onde fica a porta. Olhei pra baixo e o instrutor, muito do sacana, me disse: "não preocupa não, se você cair já está de para-quedas".
Chegamos em uma boa altitude, em torno de 4.100 pés (+-1.400 m) e o instrutor deu a ordem "posição de salto". Coloquei as pernas pra fora do avião e o vento quase arrancou elas, de tão forte. Aí sentei na beiradinha, só meia bunda pra dentro, olhei fixamente pro bico do avião e veio a ordem final: "vai!!". Tentei a primeira vez e nada. Tentei de novo e nada. E o instrutor "VAI!". E eu "não consigo". Devido ao meu avantajado tamanho, o para-quedas - que é uma mochila meio desengonçada - estava agarrando na fuselagem do avião. Antes que falem "ah, tava é com medo", garanto a todos que eu não via a hora de saltar, lá em cima eu só pensava "vai ser bom demais da contaaaaaa"!!
O instrutor pediu que eu me virasse um pouco de lado e consegui finalmente me jogar - no 'nada', esperando que um pano costurado reduzisse minha queda. O primeiro salto é enganchado, no pino que libera o para-quedas vai uma corda que está amarrada no avião, e quando ela acaba de desenrolar abre automaticamente. A queda livre dura quatro ou cinco segundos, mas parece mais. Como eu saltei meio torto, o para-quedas abriu mas quando conferi vi que havia uma "anomalia". Na apostila que recebemos identificam os problemas como anomalia ou pane, a primeira pode ser resolvida no ar. A segunda, só liberando o reserva. No meu caso, a anomalia é conhecida como "twist": o para-quedas abre, mas as cordas ficam torcidas, em caracol, e o slider não desce (uma peça de nylon que separa as cordas). Lembrei dos procedimentos, segurar os tirantes (que te ligam ao para-quedas), puxar um pra cada lado e balançar as pernas, "chutando" no sentido contrário da torção. Feito, como o para-quedas já estava aberto, eu girei no ar em torno de mim mesmo umas quatro vezes, depois pro outro lado, até parar.
Minha reação? "Caraaaaaaalho, muito doidoooooo!!!" E fiquei berrando uns dez segundos. Gente, o visual saltando a um quilômetro e meio de altura é uma coisa de louco. A visão do horizonte, o para-quedas aberto, seus pés "pendurados", é tudo maravilhoso. Posso contar dez vezes de formas diferentes que não passo um terço da emoção. Só vivendo mesmo, recomendo fortemente. E é um esporte muito seguro.
Desfeito o twist, fiz o procedimento de conferência, tudo ok, e comecei a seguir as instruções de terra (no capacete tinha um rádio acoplado) enquanto buscava pontos de referência para a navegação. Legal que o instrutor em terra fala com o aluno, mas não pode ouví-lo. Mesmo assim tudo que ele falava eu respondia, "tá bom", "ok", "já fiz". Os testes de navegabilidade são feitos utilizando os controles, você vira pra um lado, vira pro outro e freia. Na frenagem, tem que puxar os dois controles até o fim e contar cinco segundos. Puxei com tudo, senti a velocidade diminuindo e comecei a contar: "um mil, dois mil, três mil..." mas reparei que eu tava indo muito devagar e a velocidade voltando a aumentar, quando olhei pra cima e vi o para-quedas todo murcho, perdendo o "colchão" de ar, aí soltei de uma vez. Acontece que meus braços compridos freiaram além do necessário e o bicho começou a murchar.
Aí veio a melhor parte. O instrutor disse "agora você pode brincar um pouco nessa área". A primeira coisa que me veio à mente foi uma manobra que eu tinha visto num filme, o cara puxa um lado todo do para-quedas e vai caindo em pirueta, até o corpo ficar quase paralelo ao solo. É uma delícia, a velocidade fica alta e o mundo literalmente "roda". A sensação é indescritível. Foi tão sensacional que mesmo hoje, quase quinze anos depois, ainda sinto a adrenalina subir quando lembro. Tenho a fita de vídeo do meu salto, um dia ainda lembro de passar pra formato digital e coloco no youtube.
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