quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Salgado do Cróvis

Às vezes viajo tanto numa coisa que dá até pra fazer uma peça de teatro. Há uns meses isso aconteceu, e vou contar em forma de peça mesmo. Começou quando ganhei dois ingressos para assistir a Orquestra Filarmônica no Palácio das Artes.
Prólogo: o cara humilde casa com sua vizinha de rua, mais humilde ainda, no interior. Querendo mudar de vida, ele estuda muito e faz um concurso público. Passa no concurso, e os dois se mudam pra capital. Ele, apesar de humilde, sempre foi muito discreto e bem informado. Ela, não quis saber de estudar e é meio sem noção, fala o que vem na cabeça e geralmente fala alto.
1º ato: depois de um tempo trabalhando, ele ganha do chefe dois ingressos para acompanhá-lo numa apresentação da Orquestra Sinfônica. Chegando em casa, conta feliz pra mulher que eles vão em um evento chique com o chefe e a mulher dele, mas ela terá que se comportar, pois são pessoas finas, e não quer passar vexame. E ela:
- Esquenta não benhê! Eu sei comportá bem chique, que nem aquele povo da novela.
O cara só reage com um tapa na testa.
2º ato: chegam os dois no Palácio das Artes, onde será a apresentação e encontram o chefe e a esposa. O chefe elogia o vestido dela e ela rebate:
- Brigadim, viu? Comprei lá na C&A, foi baratim baratim!
Entram no recinto, todo aquele requinte. E ela deslumbrada falando alto:
- Nossinhora mãe de Deus, que coisa mais linda, isso aqui é maior do que o terreiro de café lá do sítio!
O marido morrendo de vergonha explica que não pode falar alto lá dentro.
Eles se sentam e ela começa a ler o programa da noite. De repente, empolgada, ele fala pro marido:
- Olha só bem, eu conheço o moço que mexe com esse trem de orquestra!
- Conheçe não, amor, tá confundindo.
- Não, conheço sim, olha aqui: Fundação Clóvis Salgado. Conheço demais da conta! É o Cróvis, lá da rua do Sapo, ele vendia salgadinho pra todo mundo, cansei de comer salgado do Cróvis! Era coxinha, kibe, croquete... uma delícia, sô! Ah chefe, cê já provou o salgado do Cróvis? É muito bão! Que hora que eles começam a servir aqui, heim?
O marido se encolhendo cada vez mais. Explica pra ela que aquele era outro Clóvis, e não o que ela conhece.
Ela entende e continua lendo o programa. E logo solta uma gargalhada. Com mais vergonha ainda, ele pergunta o motivo. Pra que...
- Ah, esse povo da capitar não sabe o que é bom mesmo. Tá aqui ó: "Allegro ma non troppo". Não dá pra entender. Quando eu tô alegre, aí que eu trepo mesmo! É ou não é, meu bem? Conta pra eles, conta!
O cara não sabe onde enfiar a cara. Logo começa a sinfonia e ele explica que não pode falar absolutamente nada. Sorte dele...